5 marias

Paris. 2005-2006.

30.5.07

Causes & Coincidências

Entrou no trem das 17:56 em Saint Lazare. Rotina. Mesmo vagão, banco do canto, mp3 nas orelhas, livro de poesia francesa marcado na pagina 11 com recibo de supermercado (Fran Prix DaGuerre, 1 coca, 1 sandwiche crudités ). A fome batendo e o pensamento na geladeira vazia. Torce por um pedaço da quiche do almoço. Os trilhos balançam as letras, ela não se concentra nos versos. Qualquer palavra é motivo para fugir e pensar na sobremesa da tia, no amigo artista-manco que mudou para a Espanha, nos lençóis que ainda não passou, no projeto de mestrado, se a Fulana já casou e finalmente em: como será o seu próprio casamento? Sim, foi longe demais. Já estava quase em casa. Guarda o livro. O celular vibra. “Amiga” piscando no visor. Atende em português. Um rapaz, ao lado, se emociona com sua fala e, pergunta, sem hesitar:

“Desculpe, eu te ouvi falando português. Você é brasileira?”
“Sim.”

“Eu sou Fulano, francês, mas falo português porque morei no Brasil, na cidade XWZSYH, no Estado FFGHU, perto de HHHI”.
Ela fica sem ar, recupera-se e: “Eu também morei em XWZSYH, no FFGHU, perto de HHHI.
Mas eu estudei lá no ano de XX65”
Ele: “Eu também!”
O trem pára.
“Como a gente não se encontrou antes?”
Descem.
“Você mora aqui?”

Três “Eu também” depois, Ela tem vontade de gritar para Deus: O QUE É ISSO?
Acessa mentalmente o Google: Brasil, 186 milhões de pessoas, 8.456.510 km², 5.560 municípios. França, 63 milhões, 547 028 km², 6.782 communes. Sete dias depois, eles se reencontram no trem, à noite e ao acaso. Coincidência exagerada, absurda mesmo. Parece história de filme. É.

22.5.07

Minha Mercedes

Para se deslocar até Paris, Ela precisava do trem, e para chegar ao trem, ela tinha à disposição uma Mercedes! Sim! Provisoriamente sua, na verdade, a Mercedes da década de 70, mas uma Mercedes quand même! De óculos Jacqueline Kennedy-Onassis, empunhando a Mercedes na estrada, até a estação de trem! Não importa, ela estava dirigindo uma Mercedes a caminho de Paris, ouvindo ‘Je suis deracinée’ no ultimo. E, numa madrugada perdida no orkut, ela se adicionou à comunidade “Desculpe, eu tenho uma Mercedes”. Ela se sentia especial, com “aquele-algo-mais”. Podia passar o mês à lata de ervilhas, mas nada tiraria o seu orgulho de dirigir uma Mercedes na Ilê-de-France! Chegou o inverno e a neve. E a alegria não foi tanta ao manobrar o carro no compartimento do frezer. Vinte quilômetros por hora, muita estrada pela frente, e o tanque quase no fim. Ela tinha a impressão de que, se respirasse um pouco mais forte, perderia o controle do carro, pois a pista era, de fato, de manteiga. Nunca tinha dirigido sob uma tempestade de neve. Nunca sentiu tanta dor no pescoço e nas costas. Nunca sentiu tanto medo de morrer (seria uma morte chique, no entanto) Contando a história às amigas, disse no fim: Ai, que dor horrível! Nunca mais!

17.5.07

Perecível

As aparências enganam e se desfazem às cinco horas da manhã, no meio da neblina e da garoa fina. A blusa preta de lã brilhosa para “ir mais arrumadinha” rasgou na altura das axilas na segunda semana. O crepe nutella-banane, antes, delicia boa, agora tem efeito de pára-quedas no estômago. O metrô, antes, rápido e eficiente, é rotina escura e corredor de rostos com ânsia de vômito. Os prédios históricos, tão bordados, rebuscados, dourados, são paredes sem fim, cor de poça suja, que sufocam o céu e as calçadas, agora muito estreitas para dois ao mesmo tempo. A história dos monumentos, praças, placas, buracos, traças, agora, são repetitivas e enfadonhas. Os novos amigos, simpáticos demais-demais, agora cansam nos primeiros dez minutos (ou segundos). As conversas, sino na cabeça. As máquinas digitais, pentelhas. A igreja esplêndida, entupida, oito mil turistas por segundo. O bairro ‘fofo’, agora é caro, lotado, dez mil gentes passando na roleta. O corte de cabelo, ultra-moderno, caro, aliás, tudo é caro, já está despontado e preso de oleosidade. O queijo, rançoso. A champagne, morna. O café, frio. A peça de teatro, longa. O museu, grande. O vizinho, con. O belo e bom estraga rápido.

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