5 marias

Paris. 2005-2006.

24.3.07

Trem do Horror

Paris tem um sanatório subterrâneo. Os loucos estão à solta, mostrando a bunda na escada do metrô, tentando suicídio nos trilhos, discursando algo ininteligível, rindo sem parar, comendo cheeseburguérr de boca aberta. Agora, some a este quadro, cheiro de sovaco, chuva sem trégua, céu cinza-chumbo, pés úmidos, cabelos com frizz, rosto branco-anêmico. Isto durou quase três meses. Tempo que, nos finais de semana, elas moravam no CROUS e na Oberkampf. Sim, faziam questão de atravessar Paris, percorrer cinco quilômetros de esteiras, linha 11 direto ou 4 depois 3 – café, capuccino, kir 1,50! Num desses trajetos, sentadas no banco duplo, frente a frente, estavam contabilizando a quantidade de pessoas feias que viam, inclusive elas mesmas com suas caras de gesso, roupas largas/encolhidas, cabelos desgrenhados. Chegaram à conclusão de que se o sol não aparecesse nas próximas semanas, elas mesmas ficariam loucas. Feias já estavam. De repente, o metrô sacode forte e as luzes piscam. Elas se olham, cortando a conversa. Uma senhora encapuzada se levanta. A luz se apaga. Escuro. Quando a luz se acende, a senhora, rosto torto, um olho maior que o outro, tenta se equilibrar. A luz pisca novamente. Olha para elas!Filme de terror ao vivo, sem cores.

18.3.07

O bêbado e a equilibrista

Empolgação. Elas estão, maquiadas e cheirosas, a caminho de um novo bar em Saint Germain de Prés. Esperam o metrô em Courcelles e, neste momento, dividem o quai com um bêbado-discursador. O metrô está chegando. O bêbado quer conversar e vem-com-tudo! Cambaleando rápido e perigosamente. Uma delas, mais esperta, pula rapidamente para dentro do metrô, já estacionado. A outra, tenta driblar o fedorendo, e fica frente-a-frente com o zagueiro. Agora, vem a cena ridícula; dura 3,5 segundos: ela vai para a esquerda, o bêbado também (passinhos curtos e sincronizados), ela vai para a direita, o bêbado também. Ela finge que vai para a esquerda e olé! Vai para o metrô, mas antes, isso dura 1,3 segundos, o bêbado dá-lhe um tapaço na bunda. PLAFT! TAPAÇO!
Sua única reação ao atentado é fazer o ordinário gesto com o dedo indicador – reflexo rápido de comunicação não-verbal. A porta fecha logo em seguida. Trinta minutos de gargalhadas e rímel borrado.

Bastille

Terça feira na frente da ópera Bastille. E quinze minutos depois, lá estavam elas no curso de pronunciação. Em volta da mesa, quinze nacionalidades e sorrisos grátis ao mencionar “Brésil”. Sim, existem loiros/brancos por lá. Minas Gerais, ao lado de São Paulo. Curitiba, no sul. Não, não conheço o Rio.
Depois da aula, fome. As opções eram: 1.comer crepe e rachar uma coca num lugar sujo e barato. 2. tomar uma (1) taça de vinho no La Plage com o estômago vazio e italianos. 3. voltar para casa, comer cookies velhos/moles, e economizar 3 euros.
Mas, numa certa terça de fevereiro de menos 5 graus, aconteceu algo diferente. Elas foram ao Divã, pediram duas taças de tinto, uma vela, uma grande janela e 3.94.038.378 flocos de neve caindo lentamente. Pedido atendido. Elas choraram, depois riram; depois andaram com a alma leve, deixando pegadas brancas - sem nenhum arrependimento, enfim.

Le lapin

Ela morava numa casa que poderia ser - por que não - do núcleo rico da novela das oito. O bordado da almofada combinava com a moldura do quadro (abstrato). Havia um buda de bronze – e 1 metro e meio - na sala de jantar. A mesa valia um GOL zero km. Na cozinha, além de coisas estampadas em xadrez, Ela topava com uma gaiola e, dentro, um coelho gordo, marrom, orelhas caídas: Pirrouette.
Assim como o buda reluzente, Pirroutte era um adorno. Combinava com as cadeiras.
Ela, não acostumada a ignorar os seres-vivos, se afeiçoou ao animal. E quando os verdadeiros donos da casa viajavam, presenteava o coelho com liberdade, fraternidade e ração. Mas se arrependeu em seguida. Pirroute era indisciplinado e burro.
Uma vez solto no jardim, era preciso chamar o exército para resgatá-lo. Para alimentá-lo, corria-se um alto risco de ter a mão mordida/infectada e mais: Pirrouette fazia a gentileza de tampar o pratinho de ração com seu cabeção.
- Vai pra lá coelho burro!
Pirroutte também assustava suas amigas quando pulava na gaiola de repente. Aliás, ele ouviu as coisas mais absurdas e hilárias que um coelho poderia ouvir.
- Ah, se este coelho falasse! – diziam.
Um dia, Pirroutte morreu. Como diria um sábio garotinho francês:
- Tu sais, c’est triste la mort.

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