5 marias

Paris. 2005-2006.

30.11.06

Metrô Saint-Jacques

É janeiro e as pessoas congelam. É sábado e uma cerveja em PIGALLE custa 6 euros.
Por isso, todos os brasileiros se encontram no 14ème, rue de la Tombe Issoire (e alguns franceses também).
A cerveja é dois. A música, ao vivo. O espaço, pequeno. Os vidros, embaçados. Os sorrisos, caramelizados. As pessoas, bêbadas - A caipirinha é uma sopa de água, limão e cachaça pescada na concha, servida em copo de plástico.
No ritmo do pandeiro, todos sambam (alguns franceses também, risos). E, de repente, é bom gostar de pagode. Foda-se. Lá fora o ar está abaixo de zero e estamos longe. Nossos amigos não estão vendo a gente cantar Deixa a vida me levar Vida Leva Eu. Vai, Vai, Vai. Vamos beber todas até o fim!
Nove da noite e a gente vira abóbora. O boteco fecha.
Alguém disse que a festa continua no fim da linha 15 do metro, residência universitária.
Antes, passa no mercado, vinho, vinho, vinho, cerveja, coca (quem divide comigo?) e vamos. O local: terraço, vista congelante e um banheiro que não tranca. Vinte mulheres, dois homens. Um do paquistão – não se comunica. O outro vai buscar o som.
Rodinha das mulheres. O papo é: uma delas está partindo para o Brasil em quinze dias. Ela divide sua experiência:
“Então, meu cabelo deu trabalho muito aqui. Primeiro, deixei natural e virou uma juba. Daí comecei usar faixas e presilhas, cansei, decidi cortar, mas escova todo dia é um saco. Fiz relaxamento e fudeu. A água daqui ressaca demais. Para não danificar e tal , gastei 70 euros em produtos. Cortei mais uma vez e fiz permanente. Daí ele começou a cair. Muita química, né? Gastei mais 50 euros em produtos e faço chapinha duas vezes por dia”
Uma delas exclama chocada: Nossa! E agora?
“Pois é, por isso estou voltando. Quero lavar quando chegar em casa.”

28.11.06

Humilhação em Courcelles

Ela decide levar o menino de cinco anos no museu de arte moderna com 15 dias de francês. Para isso, tem a missão de comprar tíquetes de metrô para ambos.
Neste dia, tem fila no guichet. Ela ensaia mentalmente: - Bom dia! Um tíquete família numerosa por favor senhora. Bom dia! Um tíquete família numerosa por favor senhora. Bom dia! Um tíquete família numerosa por favor senhora. - Bom dia! Um tíquete família numerosa por favor senhora.
- Bonjour!
Chegou sua vez. Tremor. A mão transpira na nota de cinco euros.
- Bom dia! Um tíquete família numerosa por fff...
- Quatre euros et cinquante centimes et ( a mulher entrega um carnê com 10 tíquetes)
voilà:
Ela pensa “Não me expressei corretamente” e repete:
- UM tíquete família numerosa.
A mulher:
- C’est famille nombreuse! Nous vendons seulement le carnet avec dix!
Ela não entende nada e insiste:
- UM! UM tíquete família numerosa.
A mulher se irrita e fala milhares de frases num curto espaço de tempo.
Ela não compreende e repete, ainda, articuladamente:
- UM- ti-que-te- fa-mí-lia nu-me-ro-sa!
A mulher a xinga. Ela não entende, mas sabe que está sendo xingada. As pessoas da fila estão falando também. TODOS OLHAM PARA ELA.
Seu rosto ferve, os olhos se enchem.
- D’accord , diz baixinho passando a nota pela abertura do vidro.
A mulher dá 10 tíquetes e o troco.
Ela pega na mão do menino e, de cabeça baixa, passa a roleta.
Sentada para o túnel escuro, sente-te burra e chora - como uma criança longe dos pais.

O Cafofo

O prédio tem mais de um século. São 138 degraus de madeira podre até o sétimo andar. Todo mundo ouve todo mundo subir. A escada é um espiral enferrujado, íngreme. Os andares são identificáveis por rabiscos nas paredes – imundas, descascadas, engorduradas, vividas. O teto expõe a estrutura de ferro enferrujada, a fiação e os canos. A feiúra é claustrofóbica, porém cinematográfica. Uma mancha preta no degrau 75 poderia ser, por que não, uma bituca de charuto do século 19.
Só no último andar tem corredor (estreito, longo) e quartos subseqüentes de 12 metros quadrados, colados. O teto é cortado. Inclina para o lado esquerdo, um triangulo isóscele - ou você anda torto ou bate a cabeça. A vinte passos da escada em espiral estava a porta 41. À frente, uma janela com metade do vidro quebrado em curva. Este pedaço descoberto, justamente, emoldurava o topo da torre eiffel. E toda vez que ela parava ali, as lascas de madeira podre com resquícios de tinta sujavam sua blusa. O vento encanava no rosto e fazia tremelicar a porta 38. Frio. Tem que colocar uma toalha na fresta de baixo. O chão, vermelho gasto. Três tapetes azuis. A cama à esquerda revestida pelo edredom de 5 quilos. À frente, uma escrivaninha, um som, uma rádio sintonizável, jazz. Acima, duas prateleiras, livros, caixa de sucrilhos duros. Não há lâmpada no teto. Aqui não existe. É abajur, dois. Depois, o lavabo branco, ralo com bafo de esgoto, uma luminária no chão, tropeçante. Há tecido bege nas paredes e o mapa de Paris preso por 6 tachinhas. Uma mini geladeira prateada. A mala vermelha, no canto ali, é armário de não-perecíveis. Parede de cortiça, fotos, postais, recortes. Um aquecedor. Cortinas escuras, uma janela para o mundo e só.

27.11.06

O vizinho

Era mais de meia noite e ela estava na rua sozinha. No banco da esquina AVENUE WAGRAN. Quarenta mil quilômetros longe de casa, pensou. Do outro lado da rua, um restaurante e música ao vivo. A mesma música que ouvia na sua casa. Absurda coincidência que só ela percebeu. Sorria, ridícula. Lágrimas nos olhos. Quarenta mil quilômetros de distância, pensou de novo e lembrou do CD na gaveta do quarto distante – jorge ben. Ela canta sozinha. As únicas palavras perfeitamente pronunciadas depois de 48h. Eu não sou burra, pensa. Eu vou aprender a falar.
Ela força um bocejo. O corpo protesta. Viu pela primeira vez o pôr do sol às dez da noite.
Ela decide subir para o quarto. Agora quer saber a todo custo como se diz pôr-do-sol. Dicionário! Diz.
Entra no prédio cantando a música, ao vivo, do restaurante. Pára. Tem alguém atrás. Um rapaz. Ele mora aqui? Abre a porta. Ele atrás. Também entra. O rapaz. Ela sorri e sobe as escadas. Ele atrás. Primeiro Andar. Ela olha rápido. Bonito. Segue. Segundo Andar, ele atrás. Olha. Muito bonito. Como se diz degrau? Ela tropeça. Ele atrás. Ela sorri. Como se diz tropeçar? Quinto andar e ele atrás. Ela pensa: ele vai parar aqui. Ele atrás. Sétimo andar! Ela, eufórica. Meu vizinho! Eles páram. Chaves na mão. Sorriem. As luzes se apagam e é aí que tudo começa.

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