5 marias

Paris. 2005-2006.

24.1.07

Vinhão

Mês de março úmido. De chuva, de lágrimas, de saudade.
- Está frio ainda, mãe.
O céu cimentado desde dezembro. A terra gira em torno do quê porra?
Mau-humor demais. E daí, nestes dias, ela ganha um vinho para ser tomado antes do verão. Sem dinheiro para queijo, as três meninas resolvem fazer uma noite do vinho & vinho. Taças montáveis do Monoprix e: alguém trouxe o saca-rolha? Ou melhor: alguém sabe dizer saca-rolha? Não.
- O vizinho pode ajudar, claro!
Ele não está.
Ok, a tesoura pode servir. Dez segundos depois e a rolha está 35% destroçada.
- Vamos tentar com a tesoura, o estilete e a caneta! Mas fora do cafofo pra evitar o pior (manchar o tapete azul).
E assim, perto da meia-noite, em frente ao banheiro turco fedido, três meninas estão acocoradas ao redor de uma garrafa de chateau-qualquer-coisa-safra-muito-boa, e realizam uma operação cirúrgica. De repente, a luz apaga! Passos na escada, alguém sobe. Duas correm da humilhação e uma fica, afinal, pode ser o vizinho. E quase! Era a vizinha! Très gentille, emprestou o saca-rolha e, ali mesmo, no corredor, se ofereceu para desentupir a garrafa. Primeira tentativa: uma delas segura a garrafa e a outra faz força com o saca-rolhas. Nada. Decidem apoiar a garrafa no chão e, ali está ela, mais uma vez acocorada para o parto da rolha. E, força! Tiram as blusas. Tá foda. Terceira tentativa. E o vinhão foi aberto! Ponto para as mulheres!
O que segue são brindes que soam plástico de tupeware, muita conversa, risadas, risadas, risadas, bochechas vermelhas e sono. Profundo. De manhã, a boca aveludada, seca e um pouco amarga. A tristeza passou. Só a cabeça dói.

20.1.07

Saint Martin P&B

Ela aceitou sair do cafofo por um café quente. Vestiu o casaco de cinco quilos e suou 15 minutos no metrô. Na Republique, a amiga alemã aguardava vestindo jeans e all star. Está acostumada ao frio maldito, claro. Ao chegar no Canal, fica surpresa. Dois meses atrás, tudo era incrivelmente verde. A água, as árvores, a ponte, as alfaces do China. Agora, tudo era pálido. As árvores, mortas, emaranhadas. Morreram para sempre, pensou.
No café, pediu o mais barato, o de sempre, com a água que vem no copo sujo. Conversaram e, meia hora depois, já estava noite. São cinco da tarde, quem diria. Na Alemanha é pior, diz a outra. De repente, ela olha para a janela e vê. Ela vê!
Coisinhas brancas caindo! Sim! Flocos de neve! E abre um sorriso impróprio. A outra pára a frase na metade, não entende a súbita alegria da amiga.
- Neve! Neve! Você está vendo?
- A alemã: sim, e?
- Eu nunca vi neve!
- É verdade! Vamos sair!
E a chuva de flocos aumenta. Cinco minutos depois, o mundo está branco. As árvores secas, as calçadas sujas, a rua, a pequena ponte. Menos a água do canal, preta, e o céu, idem. Preto e Branco e ela de cachecol vermelho, pulando e gritando: Neve!
As pessoas olham e perguntam:
- Ela é louca?
A alemã responde prontamente:
- Não! É brasileira. – E tira uma foto.

Contador de visitas
Contador de visitas